quinta-feira, outubro 13, 2005















A Cultura


Estava a voltar para casa depois de um longo dia na faculdade e a selecção musical caiu sobre um Stravinsky... Há certs músicas que têm sobre nós um efeito inexplicável: dão-nos força e energia para mais umas horas, retiram lágrimas, fazem-nos ver o sol por entre as abertas das nuvens... e tudo isto sem palavras, sendo portanto universais!

Dei por mim a pensar no porquê das pessoas apelidarem prontamente a música classica de chata, aborrecida, complicada, etc.

Bem, a verdade é que não estamos habituados a comer algo diferente do que nos dão e muito raramente nos oferecem um bom prato de cultura!

Tudo começa na escola: somos habituados a chegar aos objectivos sem pensar muito sobre eles, decorar factos considerados importantes, recursos estilísticos, nomes complicados, datas... enfim, tudo menos o sentimento em relação ao que estamos a ler...

Parece-me impossível que quando Eça de Queirós estivesse a escrever os Maias pensasse "bem, eu agora estava para escrever uma metáfora, mas na verdade uma alegoria fica aqui muito melhor!"... Na verdade acho que ele estava a pensar: "bem quero chocar o pessoal e transmitir uma mensagem, por isso vou colocar o Carlos a pinar com a Irmã!!! E vamos lá ver o que o pessoal diz disto!" E o que é que o pessoal diz? Nada!!! a verdade é que no meio das metáforas, alegorias, polionásmos, etc. sobra muito pouco para comentar estas ideias e os alunos acabam por se perder no objectivo de ler: apreciar a leitura, formar uma opinião, receber a mensagem do autor e, quando tudo funciona bem, querer ler outro livro!!!!

E depois, sabem como é, quando realmente perguntam a opinião ao pessoal e, claro, como seres humanos que somos, e após grande discussão, não se chegam a conclusões! Mas aí, o professor, corre para a resolução e explica que todos podem estar correctos e que todos podem ter a sua opinião.... ou será que diz?!?!?! Na verdade a maioria das vezes diz apenas: "Bem pessoal, as vossas opiniões são muito lindas e ainda bem que tivemos esta discussão, porque a opinião que conta não é NENHUMA destas, mas sim a que está espressa no livro de texto E QUE VÃO TER DE DECORAR, já agora, PARA O EXAME NA SEXTA!"

Guardados por este bastião de produção em massa, os alunos assim, aprendem claramente que o melhor é nem pensar nisso, mas sim decorar o que lhes pedem e resolver a porcaria do exame para nem terem de pensar num livro hipócrita que lhes permitiu sonhar acerca da possibilidade de poderem pensar livremente! Conclusão: nunca mais pegam num livro!

Quantos de nós, ao falarmos de livros referimos mais do que "um conjunto de folhas rodeadas por uma capa"? A verdade, penso eu, é mais "um professor paciente que guarda sonhos, ambições, experiências, histórias, viagens...etc, mesmo ao virar da capa!"

A música é igual: quando temos hipótese de começar a ouvir música "clássica" (esta designação é errada e eu qq dia explico, mas por agora todos percebem) enfiam-nos com uma Carmina Burana a martelo e é evidente, as pessoas ficam perdidas!

A leitura, a música, a arte não é diferente de muitas outras coisas no mundo: "É preciso praticar!"
Quem for forçado a correr a maratona logo da primeira vez que coloca uns ténis, (assumindo que resiste no fim) pensa que aquilo é tortura e começa a correr... dos ténis!
O que é engraçado é como isto é do senso comum em relação ao desporto na "cultura" todos partimos do princípio que podemos ler a Eneida quando abrimos os olhinhos!

O interesse da cultura é a vontade de se formar opinião, de contactar com opiniões opostas e confrontá-las! Poderia ser uma boa solução para muitos momentos da nossa vida! E bem lá no fundo, quando bem ensinada, é claramente tão divertida como qualquer outra coisa!

É que no fundo qual é o interesse? Por um miudo a ler "Os Maias", que ele esquece em 2 meses (ou opta por ler em formato livro amarelo já passadinho e pronto a engolir) e nunca mais ler nada para o resto da vida, ou dar-lhe um pouco de latitude e daí a uns anos ele poderá estar a ler O crime do padre Amaro, As púpilas do senhor Reitor, etc.?

Isso sim, parece-me que deveria ser o objectivo final do ensino!


http://en.wikipedia.org/wiki/Igor_Stravinsky

http://bnd.bn.pt/ed/eca_queiros/

http://www.infoforum.pt/web/informacao/secundario/04escsec_ch_linguas.asp

1 Comments:

At 10:40 da tarde, Blogger @ said...

Tens toda a razão! e com esta forma incorreta de nos "aculturarem", criam-se mentes muitas vezes menos criativas e flexíveis. Passa-se ao lado de sentimentos que músicas, pautas, imagens, palavras (menos convencionais)... nos poderiam ter proporcionado!
Mas ainda bem que há quem não desista da procura eterna do Saber (nessa Cultura mais erudita ou alternativa)...

 

Enviar um comentário

<< Home